O JUIZ NÃO GOSTA DE PROVAS

 

 

 

O Juiz não Gosta de Provas

Carlos A. Lungarzo

AIUSA 9152711

Quem gosta de encontrar provas é o detective “científico” tipo Holmes ou Poirot (não menciono Adamsberg, para não parecer provocador), mas, na maioria dos casos, magistrados da área criminal estão interessados apenas em acumular presos e não em encontrar provas. Ainda, temos o caso dos que se incomodam quando as provas aparecem, mesmo que eles se tenham esforçado em ignorá-las. Este artigo é a história de um magistrado que não gostava de provas.

Mais um Livro sobre Battisti

O caso Battisti promoveu uma enorme difusão de artigos de jornais e revistas, de “cables” de agências, e de blogs, nos que se tenta sempre desconstruir a imagem do escritor italiano. Esses artigos abundam em português e italiano, e são tantos que, contando apenas os três maiores linchadores mediáticos de São Paulo, pode ver-se uma coleção de várias centenas em apenas 4 anos. O público a quem vai dirigido geralmente não lê, porque eles não acham legal ler (foi com a escrita e depois com a imprensa que surgiram os intelectuais contestatários), e os que estão fora do círculo de linchamento acham todos esses artigos muito semelhantes.

Todavia, é muito mais difícil escrever livros, que têm muitas páginas. Por isso, apareceram poucos livros contra Battisti. Até tempos recentes tínhamos um em italiano (o de o apresentador Giuseppe Cruciani, Gli amici del terrorista) e outro de “lavra vernácula”, ao qual parece que a mídia brasileira não lhe dedicou a atenção que merecia (diferentemente da italiana, que lhe conferiu um prêmio, quando ainda estava com a tinta fresca). Cruciani escreveu esse livro porque, além de razões pessoais que não conhecemos, ele tinha um plano original. Embora descrevesse alguns aspectos jurídicos e alguns dados jornalísticos do caso Battisti, o livro vai especialmente dirigido, não ao “terrorista” em si mesmo, mas sim a seus muitos amigos, na Itália, na França e no Brasil (esqueceu apenas os do México e da Nicarágua). Ninguém se salva da fúria do justiceiro.

Mas, em julho de 2011 apareceu mais um livro, este de uma qualidade diferente: foi escrito por Giuliano Turone, um magistrado italiano que fez parte do inquérito (instruttoria) contra os PAC, nos anos 80. Ele não é tão conhecido como Spataro nem mesmo como o pubblico ministero Carnevali, mas esse esquecimento é uma injustiça, porque Turone teve uma das tarefas mais importantes daquele processo: arquivar as queixas por torturas contra 13 membros dos PAC. Graças a esse arquivamento, magistrados, políticos e afins puderam dizer que “a denúncia de torturas eram invencionices”, e que os que se queixaram participavam de uma manobra da Anistia Internacional para enlamear a Itália (embora nunca disseram qual seria nosso interesse em prejudicar o país que produziu, faz tempo, Giordano Bruno, Galileu, Leonardo e, sobretudo, Beccaria).

A Anistia Internacional tinha denunciado ao Ministro do Interior, Virginio Rognoni, nove dos 13 casos de tortura, numa data imediata aos fatos (5 de abril de 1979) e essas torturas foram a principal motivação de AI para fazer em seguida sua maior investigação na Europa em toda sua história. (Vide Amnesty International Report 1979, Italy. Este relatório é antigo e não está no site convencional, mas pode ser visto em meu site, ou solicitado à AI de Londres documents@amnesty.org, que o enviará imediatamente.) Dos outros 4 casos, nossa ONG não tinha informação nessa data.

A eficiência de Turone não é por acaso. Por algumas referências políticas, muito poucas, que ele faz (incluindo uma gentil e delicada citação de minha paisana Mercedes Sosa, na página 165), e sua aversão algo aguda contra Berlusconi, deduzo que ele não faz parte do departamento cato-fascista do clube de linchadores, mas do para-stalinista. Mesmo que o stalinismo seja uma manipulação e inversão total do marxismo, alguns stalinistas ocidentais são nostálgicos do toque científico do antigo comunismo.

Seu livro se chama IL CASO BATTISTIUn terrorista omicida o um perseguitato político?, e foi editado pela Garzanti, de Milão, que o lançou ao mercado em julho de 2011.

Consta de 20 capítulos bastante substantivos, onde narra a história dos PAC, sua relação com outros movimentos autonomistas, os diversos assaltos e ferimentos praticados por seus membros, e alguns detalhes dos julgamentos de 1981 e especialmente de 1988, onde Battisti foi condenado à várias prisões perpétuas. Turano defende a política de julgar réus ausentes (cap. 15), elogia a instituição dos delatores premiados (cap. 6), e ataca a revista virtual Carmilla (cap. 17) e seu brilhante e criativo editor, Valerio Evangelista, verdadeiro pesadelo de todos os linchadores, mas, neste como em outras passagens, Turano evita qualquer insulto e se limita a desenvolver algumas falácias elaboradas e sutis, admitindo sempre que, apesar da Itália ser uma democracia, ele reconhece que há coisas imperfeitas naquele país.

O ex-magistrado faz uma exceção a sua racionalidade nos últimos capítulos, quando, de maneira inesperada, convida a Cesare a se tornar uma espécie de novo Cristo (só um comunista pode proferir tal blasfémia), embora não mencione o redentor por seu nome. De fato, ele diz que todas as feridas abertas da Itália fechariam se Battisti voltasse! Nossa! Eu nunca pensei que estaria junto a uma pessoa com tanto poder e a verdade é que tenho certo medo. Será que ele pode fechar as feridas do Brasil?

Fora deste desatino (que realmente não sei se apenas uma piada ou um sarcasmo, e em caso afirmativo para quem), o livro tem um estilo mesurado, pouco retórico, mas também desprovido desse rebuscado jargão jurídico que, no Brasil, reina em qualquer texto escrito por um magistrado, nem que seja uma carta para a namorada. Evangelisti, em sua resenha, acha o livro de Turone entediante, mas eu não tive essa impressão. Entretanto, quando foi anunciado na Itália me apressei a lê-lo, porque pensei que um ex-magistrado, envolvido no caso dos PAC, e com certo passado diferente dos cato-fascistas e mafiosos, que, além disso, ensina metodologia do direito, poderia contribuir com algo novo. Por outro lado, também pensei: “Se a Itália tiver uma arma pesada e objetiva contra Cesare, a teria usado há pelo menos 2 anos, e teria poupado vários milhões de euros”. Mas, ainda assim, achei que devia lê-lo.

Acabada a leitura, nos finais de julho, não achei motivo para escrever um comentário do livro. As coisas objetivas que ele dizia, eu tinha podida lê-las nos documentos que consegui através da França, que perfazem um total de menos de 3000 páginas. Achei esquisito, então, que o livro não brindasse dados e provas dramáticas, sendo que, segundo as fontes, o processo tem mais de 53 faldoni (pastas ou volumes de arquivo). Esses faldoni deveriam reunir pelo menos o triplo de páginas e dados que os lidos por mim. Fiquei, vamos dizer, desencantado e pensei que um artigo não seria necessário.

Entretanto, anteontem li a versão virtual de uma matéria de Carta Capital, onde se afirma que Turano dá uma demonstração definitiva da culpabilidade de Battisti, e refuta Fred Vargas. Eu suspeitei que minha inteligência era muito limitada, e decidi ler a entrevista e comparar depois com uma quinta leitura do livro. (Evangelista se queixou de que precisou muito café para ler o livro uma vez, mas eu li quatro.)

O artigo tem um título forte: “As Provas Irrefutáveis”. Isto aumentou ainda mais minha curiosidade, não apenas como ativista de direitos humanos, mas como cientista. Quando estudamos na Faculdade, nos dizem que todo conhecimento com conteúdo real é refutável. Como todos sabem, a física de Newton tem partes refutáveis, e também a de Einstein. Então, li cuidadosamente esta maravilha do conhecimento. O leitor pode ler o diálogo de Turone com o senhor Manzo, neste link: www.cartacapital.com.br/internacional/as-provas-irrefutaveis

 

Entrevista Versus Leitura

O redator do artigo de Carta diz que a reconstrução de Turone sobre o caso Battisti é tão precisa e detalhada, “a merecer a apreciação positiva de Giorgio Napolitano, primeiro presidente comunista na história da República italiana, em carta aberta de agradecimento publicada no diário italiano La Stampa no dia 31 de agosto”.

O começo, devemos concordar, é estonteante. O valor de uma obra jurídica se mede pela opinião de um político. Interessante! Será que na Itália, Enrico Fermi, Pontecorvo e outros físicos tiveram tanto sucesso com suas teorias por ser elogiados por Togliatti?

Turone, porém, não se deslumbra com elogios e, ignorando a bajulação do entrevistador, vai direto ao ponto.

O Caso Battisti foi deveras muito complexo: 53 grossos volumes do processo, uma dezena de sentenças, muitos tecnicismos. Agora, se de um lado isso é a confirmação de quanto seja rigoroso o trabalho da magistratura italiana, de outro percebi que quem não conhece a fundo o assunto terá dificuldade para ter uma ideia clara, por causa, justamente, da abundância das informações técnicas. É o que senti ao percorrer novamente todo o caso judiciário, traduzindo-o para uma linguagem acessível a todos e sempre mantendo separados os fatos das opiniões.

Após de ler algo que deve ser (é só imaginação minha) menos da 3ª parte dos 53 grossi faldoni, concordo com Turone: é possível que a leitura do caso seja difícil para a maioria das pessoas, e o ex-magistrado fez um bom serviço ao traduzir isso para uma linguagem acessível. (Por sinal, justiça seja feita, a complexidade dos raciocínios jurídicos italianos não tem o 1% de tortuosidade linguística do voto do relator do caso Battisti no Brasil)

Turone faz, sem dúvida, uma boa divulgação daquela massa de informação complexa e de sentenças longas. A diferença entre o que ele escreve e o que entenderia qualquer pessoa de bom senso não é muito grande. Em realidade, a diferença está na interpretação. Um exemplo simples e categórico:

No interrogatório do ideólogo dos PAC, Arrigo Cavallina, em 19 de outubro de 1988, um magistrado pergunta (pp. 68/69) como foi a idéia de atirar no carcereiro Antonio Santoro, morto pelos PAC em junho de 1978, e indaga se foi por impulso do próprio Cavallina ou de outros. Ele disse que foi sob o impulso dele, de maneira relevante, mas não só dele. Na p. 69, acima, o magistrado pergunta se a escolha do objetivo (ou seja, a escolha de Santoro) para ser morto, se remonta (risale) a ele (Cavallina) e a uma detenção anterior em Udine. Cavallina responde:

– […] perché io ero stato detenuto a Udine. Non solo io, però…

– … porque eu estava detido em Udine. Não somente eu, mas…

O interrogador faz uma alusão a Battisti, sem nomeá-lo, mas, Cavallina reage:

“Eu assumo inteiramente minha responsabilidade…”

A transcrição de Turone dos autos é fiel, como todas as que ele faz. Em momento nenhum deforma o que aparece nos documentos oficiais. Essa diferença com outros livros e panfletos, conferiria a seu texto um ar de seriedade.

Entretanto, o que é pessoal dele é sua conclusão. Você percebe que depois de “non solo io, però…”, Cavallina se interrompe bruscamente. Aí Turone pensa “hahahahaha… ele parou de falar, porque estava pensando em Battisti”. E com isso fabrica o que ele chama “declaração-lapsus”. A prova dele é a leitura da consciência de Cavallina. Se, como acredito, Turone é do Partito Democrático, ele deveria saber que leitura de consciência é coisa de confessores católicos, e análise de lapsus é coisa de freudianos. E, tanto a Igreja como Fred foram grandes inimigos do stalinismo… Ora…!!!

Ele encontra o que chama numerosi riscontri (numerosos fatos confirmadores), que, segundo ele, confirmam plenamente as declarações do delator Mutti. Pode parecer incrível, mas este exemplo de “adivinhação” no caso de Cavallina, é a prova mais forte que Turone oferece. Quem acredite que estou distorcendo o sentimento do juiz, pode ler o livro (Não posso coloca-lo na Internet, porque estaria violando os direitos).

Mas, a parte mais interessante da entrevista com Manzo, é aquela em que ele declara sua simpatia pelo Brasil e disse que os brasileiro foram tapeados por alguém que veio da França. Tudo isto está no link acima, e você pode conferir. Turone disse que a Fred Vargas veio com aquela história das procurações falsas, que foi desmentida pelo Estado Francês e a Corte de DH da Europa. De fato, os organismos europeus, mas que desmentir, se lixaram na queixa de Battisti, como fazem, segundo estatísticas de ONGs de direitos humanos, com 96,2% das queixas (dados de 2009), salvo quando provém de setores com grande influência (como aconteceu no caso dos crucifixos da Itália, em que a queixa provinha de fortes grupos protestantes e maçônicos)

O entrevistador, quando ouve a menção as procurações, se faz de ingênuo: “De que se trata?” E aí Turone explica. De fato, a “prova irrefutável” contra Battisti que Turone dá na entrevista, é a mesma que a do capítulo 16 de seu livro. Portanto, continuarei este artigo me baseando no livro e não na entrevista.

Mais uma Vez as Procurações

Turone é o único de todos os propugnadores da queima de Battisti que teve a coragem de assumir o espinhoso tema das procurações falsas. Todos os outros, em livros, artigos ou conferências, se furtaram, porque o assunto é difícil de refutar. Spataro, Cruciani e outros se limitaram a dizer que isso de que a magistratura falsificou as procurações era pura balela, mentiras de franceses desvergonhados. Devo confessar que a inclusão de um capítulo sobre as falsas procurações (o 16) atiçou minha curiosidade. Como eu não acredito em coisas irrefutáveis, pensei: “Talvez Fred, os advogados franceses, a perita e eu mesmo estejamos todos enganados. Quiçá Turone tenha uma boa refutação de nossas provas”. Foi por isso que li esse capítulo muitas vezes.

O capítulo 16, se intitula

A vicenda delle considdette “false procure”

As Idas e Voltas das Chamadas “Falsas Procurações”

Está entre as páginas 117 e 121 (incluídas)

O fato de ter dedicado um capítulo completo (mesmo curto) as “aventuras” das procurações, fazia supor que Turone teria adoptado o caminho de encontrar uma “prova irrefutável” de que as procurações eram verdadeiras. De fato, todos os outros tinham dito apenas que nossas denúncias eram bobagens ou mentiras. Em realidade, uma mente mais racional e inteligente como a de Turano, deveria ter feito este raciocínio:

Se alguém declara que algo é falso, então aquele que faz a declaração é o que deve dar a prova.

Esta raciocínio concorda com a idéia clássica do direito: quando se acusa a alguém, o acusador deve apresentar a prova e não exigir do acusado uma prova de inocência (embora com Cesare Battisti tenham feito exatamente o oposto!!!). Também concorda com a idéia de prova científica. Numa teoria cognitiva qualquer, você prova a existência de algo, e a dificuldade de provar a existência, não permite deduzir a não existência. Por exemplo, se eu não encontro a solução de um sistema dinâmico, não posso argumentar que a função solução não exista. Só posso dizer que não a encontrei. Ora, se eu obtive uma função que satisfaz o sistema, estou provando que é solução.

De maneira análoga, se eu digo que as procurações são falsa, devo prova-lo. Não posso exigir que os acusados (neste caso, o tribunal de Milão) provem sua inocência. Então, Turone estaria certo, se fosse o caso que ninguém tivesse dado nunca uma prova.

Ou seja, há vários graus de complexidade:

1)      Alguém disse “estes documentos são falsos”

2)       Recebe a réplica: não são falsos. Você deve provar.

3)      O acusador apresenta algo do qual diz: “eis a prova”.

4)      O que se sente acusado, deveria dizer: “Isto não é a prova” e, portanto, refutá-la.

Como disse ao começo, cientistas, inversamente a mágicos, feiticeiros, teólogos e magistrados, não acreditamos em coisas infalíveis e irrefutáveis. Acreditamos apenas na natureza da qual fazemos parte, e sabemos que os neurônios falham como qualquer outro mecanismo natural. Portanto, eu esperava uma refutação do professor Turone.

Lamentavelmente, não encontrei uma refutação no texto do professor Turone.

Nas primeiras páginas, ele conta a história das procurações. Diz como foram apresentadas por Fred Vargas, o que falaram jornais brasileiros, italianos e franceses, cita uma página completa da carta de Battisti ao STF em 2009, onde diz que ele assinou várias folhas em branco e deixou a um amigo, etc.

Finalmente, Turone usa argumentos morais: por que Battisti fez passar esse vexame ao advogado Pelazza? Por que criou tanta desconfiança? Por que Pelazza iria a trai-lo?. Na reportagem de Carta Capital, Turone diz ainda algo mais arriscado (talvez porque a difusão de sua entrevista seja menor e exija, então, menos rigor): sugere que nós estamos acusando a Pelazza da falsificação.

Bom, para ser categóricos, os membros do grupo de Cesare nunca acusamos Pelazza. Ainda mais, Fred Vargas me disse que era injusto e temerário levantar qualquer hipótese contra Pelazza. Minha conjectura, que não é uma prova e, muito menos, irrefutável, vai mais longe. Eu acredito que a falsificação foi feita por alguém ligado ao tribunal, que se apoderou das folhas em branco assinadas por Battisti. Como fez? Simples. Todos os membros conhecidos dos PAC, incluído aquele a quem Cesare diz ter deixado as folhas em branco, foram presos. Aquele que tinha as folhas assinadas, mesmo que fosse muito corajoso, não poderia ter recusado entrega-las aos magistrados.

Quem pensa que uma pessoa não deve proceder assim, pense no que significa passar dias a fio recebendo pancadas e murros, engolindo água salgada, tendo seus pelos arrancados em frio, sendo queimado por cigarros, tendo esmagado seus testículos.

Obtidas as folhas com as assinaturas, qualquer bom desenhista podia pegar a procuração verdadeira feita por Battisti em 79, para o julgamento anterior, e passa-la por decalque às folhas em branco, duas vezes, uma para cada procuração manuscrita. Feito isto, os magistrados podiam entregar essas procurações ao cartório do julgado, ou coisa equivalente, e dizer aos advogados Pelazza e Fuga: “Recebemos as procurações de Battisti; vocês serão nomeados defensores”. Quem poderia dizer que não faria????

Turano menciona vagamente, na página 120, linha 14, que “um esperto grafólogo aveva confirmato que…”  as procurações eram suspeitas, mas, o que eu esperava é que ele falasse depois “esse grafólogo está enganado por isto, isto e isto…”

Mas, Turone passa a outra coisa: diz que era natural que os organismos europeus e franceses tivessem desconsiderado a denúncia. Turone poderia ter sido mais preciso, acreditamos, já que dispõe de muita informação que lhe foi negada à defesa de Battisti. Neste caso, porém, basta com o conhecimento de domínio público.

  1. O esperto grafólogo é dona Evelyne Marganne, que faz as perícias oficiais para a Cour d’Appel, mas fez este trabalho como tarefa particular. Ora, se Turone tanto preza as instituições francesas, deve acreditar que os “espertos” por elas contratados são eficientes e honestos. Se essas instituições são tão sérias, a senhora Marganne podia perder seu emprego e até ser processada por fazer um parecer falso.
  2. 2. Evelyne mora na Rue Bénouville, número 3, CEP: 75116, em Paris, no bairro de Port Dauphine. Tem telefone/fax, número 01-45-51-53-06. Tem ainda um telefone do escritório de detectives “La Preuve”, e o e-mail lapreuve@lapreuve.fr

Ou seja, não é uma figura fictícia, saída da imaginação maluca da romancista Vargas. É uma pessoa muito real, que qualquer um pode consultar.

Eu não digo, porém, que o laudo de dona Evelyne deve ser aceito por critério de autoridade, como dizem os magistrados. Com efeito, quando se afirma que Battisti é inocente, os leguleios irados respondem: “Como assim? A justiça italiana provou o contrário”. Certamente, não queiro cair no mesmo obscurantismo. Mas, sabemos SIM, que existe uma perícia.

Agora, queremos que o senhor Turone nos mostre os erros, falácias, ou falsidades dessa perícia. Ela DEVE TER muitas coisas falsas. Se as procurações são autênticas, os defeitos mostrados pela perita devem ser falsos. Por favor, Excelência, estamos ansiosos por ver esses defeitos.

A Versão “Passo a Passo”

A perícia de Marganne e sua difusão posterior por Fred Vargas formam um conjunto de papeis que, para ser entendidos, exigem muita atenção e acuidade cognitiva, mas nada que esteja além de um aluno do colegial. Entretanto, muitos fizeram o colegial em outras épocas e podem ter esquecido. (Lembremos que muitos dos envolvidos no caso Battisti fizemos o colegial há mais de 40 anos.)

Foi por isso que eu transformei aquele processo ramificado, numa apresentação linear “passo a passo”, onde algumas cenas estão animadas e permitem imaginar como foi montada a fraude. Também se explica com extremo detalhe por que é praticamente impossível que essas duas procurações tivessem sido redigidas de maneira “natural” (ou seja, sem truques) com dois meses de diferença. Cada uma delas é quase uma xerox da outra. Existem diferenças de posição e de espaços, produzidas pelo fato de fazer o decalque sem grudar ambas as folhas, mas todas as linhas têm os mesmos caracteres, e as palavras, consideradas independentemente, coincidem quase exatamente.

Você escreve num papel uma linha qualquer, por exemplo:

Eu sou João da Silva, nascido em Porto Alegre, e venho por meio desta

Guarde o papel e dois meses depois escreva o mesmo texto numa folha transparente. É baixa a probabilidade de que você lembre tudo, e ainda mais baixa de que, ao superpor, a coincidência entre os textos seja absoluta. Isto tem uma probabilidade de menos de 1%. Se duvida, experimente!

Suponhamos, porém, que seja, sim de 1%. As procurações de Battisti tinham oito linhas. Então, a probabilidade de que ambos os textos coincidam em todas suas linhas é de1% elevado a -8. Ou seja, a probabilidade de que ambas as procurações tenham sido feitas por meios naturais, sem artifícios, é de uma vez em mais de um trilhão. Não é impossível, mas é muito difícil.

Duas Perguntas ao Juiz

Turone “refuta” a acusação das falsas procurações, dizendo que “não se entende por que alguém teria falsificado aquelas procurações se eram para ser dadas a um defensor de confiança”. Por uma vez, a entrevista de Carta Capital mostra certa objetividade. O entrevistador pergunta a Turone, por que Pelazza não quer falar, e ele insinua que não quer desmentir Battisti. Será por isso?

Estamos de acordo que seria uma loucura falsificar duas procurações para dar a alguém que o defensor de confiança. Podemos dar as procurações verdadeiras ou dá-las em branco. Mas, como sabemos que Pelazza era o defensor de Battisti? Em 2004, durante a audiência em Paris, Pelazza disse que ele foi convocado para a defensa, mas que não recebeu procuração nenhuma e que nunca se comunicou com Battisti.

Por outras palavras, ele foi designado pelos magistrados e deveu se submeter ao que eles decidiam, já que nem sabia onde estava seu cliente.

Ora, independente disso, queremos resolver um problema mais simples. Queremos falar não de pessoas, mas apenas das procurações. Temos duas perguntas para fazer a Turone.

  1. 1. Se as procurações são legítimas, as provas fornecidas por Evelyn Marganne, difundidas por Fred Vargas e matematizadas por mim devem ser falsas. Então, os três deveríamos ser processados e ir presos por fraude. Por que não?
  2. 2. Uma vez presos, ainda queremos saber: como é possível que Cesare Battisti tenha feito duas procurações idênticas, sem decalque, algo que não poderia ter feito Leonardo Da Vinci, o melhor desenhista da história.

Turone diz que Battisti, com seu sacrifício, poderia fechar as feridas da Itália. Isso o torna uma espécie de redentor, um superhomem. Agora disse que ele poderia ter feito duas procurações idênticas, com dois meses de diferença, sem usar xerox nem decalque.

Evidentemente, estamos em presença de um gênio. A Itália deveria pedir a Cesare um plano eficiente para vencer em Afeganistão, onde as tropas italianas estão passando um duro momento.

5 comentários sobre “O JUIZ NÃO GOSTA DE PROVAS”

  1. Oi,boa tarde
    pois eu li o comentario pois teve alguns equívocos sobre a perícia; o primeiro ponto o que é um perito? ele é uma pessoa dotado de conhecimento técnico,cultural ou académico nessa mentalidade ele vai discutir quesitos pertinentes ou coisa ou fato que tem materialidade e objetividade, embora tem gente que confundem perito com investigador,pois o perito tem a obrigação de investigar o fato para ter um parecer ou laudo pertinente a materia, o investigador auxilie a pericia ate certo ponto nesse caso tem muitas gentes que pensa que isso é csi que é uma ficção cientifica.
    para esse tipo de cerviço tinha que utilizar um perito grafotécnico e não um grafologo.
    A grafotécnia é que estuda as assinaturas dos individuo ou escritor, nesse caso tinha que ser a péricia grafotécnica, a perica grafologica estuda o perfil do escritor ou do individo no seu estado patologico que é mental,emocional,fisico e principalmente o temperamental, e a grafologia nesse caso não era enviavel pois ela é usado mais na area da psiquiatria,pscanalize comportamental do individuo como esquisofrenia ou pscopata etc…

  2. Oi,boa tarde
    pois eu li o comentario pois teve alguns equívocos sobre a perícia; o primeiro ponto o que é um perito? ele é uma pessoa dotado de conhecimento técnico,cultural ou académico nessa mentalidade ele vai discutir quesitos pertinentes ou coisa ou fato que tem materialidade e objectividade, embora tem gente que confundem perito com investigador,pois o perito tem a obrigação de investigar o fato para ter um parecer ou laudo pertinente a matéria, o investigador auxilie a perícia ate certo ponto nesse caso tem muitas gentes que pensa que isso é csi que é uma ficção cientifica.
    para esse tipo de serviço tinha que utilizar um perito grafotécnico e não um grafólogo.
    A grafotécnia é que estuda as assinaturas dos individuo ou escritor, nesse caso tinha que ser a péricia grafotécnica, a perícia grafologica estuda o perfil do escritor ou do indivíduo no seu estado patológico que é mental,emocional,físico e principalmente o tempera mental, e a grafologia nesse caso não era inviável pois ela é usado mais na área da psiquiatria,psicanálise comporta mental do individuo como esquizofrenia ou psicopata etc…
    para maior esclarecimento o juiz ou magistrado ele pode usar 2 formas de perícia; a perícia do estado que é da policia ou a perícia judicial que é o perito de confiança dele que é nomiado na hora e as partes tambem pode ter assistente técnico para poder elaborar os quesitos técnico pertinentes de questionamento para o perito.
    de fato é esse que é o procedimento aqui no Brasil e nos demais países tambem porque? eu falo nesse ponto a perícia tem um padrão internacional para ser executado.

    maiores informações entra no meu site: http://www.icpp-rj.page.tl

    Ats: Cristiano Santoro Magalhães
    Perito Criminal – Grafotécnico

  3. Oi, Cristiano
    Agradeço muito suas interessantes observações, e também a gentileza de ter lido minha matéria.
    Houve sim, um erro,quis dizer PERITO GRAFOTÉCNICO e não Grafólgo. Acontece que em italiano se fala “espero grafólogo” e eu quis me manter muito literal, para evitar que alguém diga que estou distorcendo a tradução. Mas, numa nova publicação, terei isso em conta. Aliás, obrigado por me recomendar seu site.
    Abcs
    Carlos

  4. Caros colegas essa matéria é muito atraente é principalmente uma abordagem na formação de um especialista em grafia venho a salientar que esta profissão é de fato de notório saber de conhecimentos técnico e cíentificos e principalmente do conhecimentos culturais que é aberto para todos, devido esse questionamento já foi implantado uma lei que formaliza a nossa grande profissão do conhecimento pois são as LP 7.811 e a LP 2.781 .
    Só uma observação na matéria que abrange o nome de perito grafotécnico tem um grande equivoco de só dizer perito grafotécnico que o certo é perito grafologico poque? a grafologia que é o estudo da grafia em toda os aspecto em geral, e a grafotécnia faz parte da grafologia, pois só aqui no Brasil que separarão essas matérias deixando o estudo incompleto do grafismo.
    Aproveitando essa oportunidade do testo acima citado venho citar algumas observações bastante pertinente o estudo do grafismo e principalmente a sua historia.
    Histórico
    A escrita pode ser classificada como direta ou indireta, conforme sua
    formação. É direta ou grafismo, quando provém de punho humano, através de seus
    gestos gravados em um suporte. E é indireta, ou impressão, aquela produzida
    através de processos artificiais.
    As pinturas de Altamira, descobertas em 1879, foram o primeiro conjunto
    pictórico pré-histórico de grande extensão descoberto como uma obra artística
    realizada por homens do Paleolítico., porém, a escrita hieroglífica constitui
    provavelmente o mais antigo sistema organizado de escrita no mundo.
    Com o tempo evoluiu para formas mais simplificadas, como o hierático, uma variante
    mais cursiva que se podia pintar em papiros ou placas de barro, e ainda mais tarde,
    com a influência grega crescente no Oriente Próximo, a escrita evoluiu para
    o demótico, fase em que os hieróglifos iniciais ficaram bastante estilizados, havendo
    mesmo a inclusão de alguns sinais gregos na escrita originou a escrita
    protosinaíticaca daí ao musnad (alfabeto arábico meridional), e o protocananeio,
    origem do hebreu antigo chegando a um alfabeto semítico antigo, aparentado
    ao fenício, o qual, passando pelos gregos e pelos etruscos, deu origem ao alfabeto
    latino usado hoje em quase todas as línguas, o primeiro alfabeto completo de vinte e
    duas letras, o hebraico, que originou a escrita fonográfica, que foi aperfeiçoada pelos
    gregos e romanos, que utilizamos atualmente.
    A escrita introduz, no domínio da comunicação, uma mudança na relação
    com o tempo e o espaço, igual àquela introduzida na questão da subsistência
    alimentar, quando, na revolução neolítica houve a introdução da agricultura.
    Assim,os proferimentos podem ser separados dos contextos particulares em que são
    produzidos para além da presença do emissor e do receptor. Essa separação das
    mensagens do contexto, em que foram produzidos os discursos, deflagra o início
    das reflexões teóricas e das pretensões à universalização do conhecimento.
    A leitura alfabética conduz, igualmente, a diferenças culturais
    importantes, conforme um leitor tenha aprendido o alfabeto ou não. Assim, os
    adultos chineses, aqueles que não aprenderam senão a escrita chinesa tradicional
    fracassam nos testes de consciência fonêmica, enquanto os que também
    aprenderam a escrita pinyin, que obedece ao princípio alfabético, alcançam êxito,
    uma vez que os indivíduos de culturas alfabéticas têm tendência a pensar por
    categorias, enquanto que os de culturas pictórics captam primeiro as situações.
    Isso fez com que se iniciasse o que se entende por civilização. Em decorrência, a partir do conhecimento registrado de forma escrita, determinou-se o desenvolvimento da humanidade.
    Dominar a linguagem escrita conferiu atributos de poder e superioridade às pessoas, às classes sociais, às nações etc. Houve então o desenvolvimento da ciência e da técnica, a modernidade e a pós-modernidade que conhecemos hoje.
    Foram os atributos da linguagem escrita, tais como: a linearidade, o encadeamento lógico-seqüencial, a autoria, os pressupostos de veracidade, entre outros, que constituíram os pilares semânticos e lógicos que sustentam amplamente a civilização humana.
    A escrita constitui-se de alentado número de elementos genéricos, que
    diferem uns dos outros pelo que são em si mesmos. Cada um é o que os outros não,
    ou seja, têm particularidades grafocinéticas, às quais se deve acrescentar a
    possibilidade da existência de “mínimos” gráficos inconfundíveis onde se torna fácil
    compreender o elevado grau de características unipessoais competentes de uma
    escrita, permitindo sua identificação firme e segura.
    No passado os exames de documentos eram procedidos por métodos
    empíricos, sem qualquer fundamento científico, o que provocou erros judiciários
    memoráveis.
    Os primeiros registros de perícia surgiram na antiguidade, quando
    Quintiliano constatou fraudes em textos hieroglíficos de generais egípcios.
    No Império Romano, no tempo de Augusto, Suetônio já considerara um tal de Titus
    como um hábil falsário, Também nessa época, no ano de 94, Quintiliano na sua
    “Instituto Oratório” publicava algumas normas para a apuração da falsidade
    documental.
    Na Grécia antiga, por exemplo, as palavras não eram separadas por
    espaço em branco, o que tornava a leitura um ato que conferia grande valor ao
    leitor, pois lhe era necessário desenvolver grande maestria.
    Na Idade média, o encargo de ler e escrever, considerado desairoso pelos
    nobres, era atribuído aos monges e aos escreventes públicos. A escrita assim
    produzida era rebuscada, abundante de adornos e ornamentos, seguindo as
    diversas escolas caligráficas e em consequência da fragilidade dos instrumentos
    escritores.
    A escrita ligando as letras umas às outras, denominada em Grafoscopia
    de escrita cursiva, surge mais tarde, com o advento da pena metálica que deu mais
    segurança e rapidez ao punho, facilitando o gesto gráfico.
    Em 1570, na França, surge em 1570 uma corporação de “Mestres- Escrivões” que eram encarregados da perícia de documentos escritos. Eles se utilizavam da prática de comparar as formas e os símbolos gráficos, técnica chamada de “Método Homológico de Confronto Formal”
    O aperfeiçoamento dos instrumentos escritores proporcionou maior personalidade às manifestações gráficas que abandonaram os padrões caligráficos.
    Com essa evolução o método do confronto formal deixou de satisfazer as
    necessidades da perícia gráfica, levando, em conseqüência ao surgimento de outros
    métodos de exame:
    a) Grafológico – consistia na aplicação, pelo grafólogo de suas
    observações pessoais em assuntos grafotécnicos, sem, contudo
    metodologia de caráter científico;
    b) Sinalético – elaborado na Itália, por Ottonleghi, é um método em
    que as características gráficas são classificadas numa ordem de
    importância, em três grupos: gerais, salientes ou pessoais e
    personalíssimas. Essa classificação segue uma hierarquia em que
    as últimas têm preferências pelas anteriores;
    c) Grafométrico – Locard, na França, retomando estudos do alemão
    Langebruch, denominados Grafometria, aperfeiçoou a técnica que
    consiste na mensuração do grafismo, cujos valores são dispostos
    em tabelas e diagramas, visando o estabelecimento de
    comparações, porém, os resultados esperados da aplicação
    matemática na perícia gráfica não corresponderam à expectativa.
    Sabe-se que hoje, diante da evolução dos sistemas
    computadorizados, está-se trabalhando sobre métodos
    comparativos em computação gráfica. Sobre isso tratarei mais
    adiante em um capítulo exclusivo. Enfim, sobre a grafoscopia
    propriamente, foi Locard o verdadeiro precursor dela, como disciplina auxiliar da criminalística, ao fundar um laboratório técnicocientífico
    na França, marcando desta maneira a transição entre o
    empirismo romântico e a atividade científica da disciplina.
    Na fase empírica da grafoscopia, os melhores estudos foram produzidos
    na França, destacando a obra de Jacques Raveneau, “Traité des inscriptions en
    faux, de 1665”, e os trabalhos de Bertillon e Crepieux Jamin, do final do século XIX,
    que aportam os primeiros fundamentos da grafologia e grafoscopia modernas, mais
    sobre a primeira, que sobre a segunda.
    Disciplina recente, sua metodologia teve origem no início do século XX
    com os peritos dos principais laboratórios de Polícia Técnica da Europa e dos
    Estados Unidos, onde se destacaram os trabalhos desenvolvidos pelo americano
    Albert S. Osborn, com as publicações das obras “Questioned documents”, em 1909
    em sua 1ª edição, em 1929, na 2ª edição, e “Les lois de l´écriture”, do especialista
    francês Edmond Solange Pellat.
    Edmond Solange Pellat, que foi presidente da Sociedade Técnica dos Peritos em Escritas da França, em sua obra antes referida, estabeleceu diversas leis naturais da escrita.
    Estas leis, chamadas “Leis Pellat”, de natureza prática, deram à Grafoscopia um respaldo científico de incontestável valor, pela sua extraordinária objetividade” (Basílio, 2009, p.2). De fato, essas leis se aplicam sem distinção a todos alfabetos, constituindo um verdadeiro “princípio fundamental inicial”, assim enunciado: “As leis da escrita são independentes dos alfabetos empregados”.(PELLAT, apud BASÍLIO, 2009 p.2)
    Em nosso país, a Grafoscopia surgiu em São Paulo, com a criação da
    Delegacia de Técnica Policial pelo Dr. Carlos A. de Sampaio Vianna, em 1925.
    Os casos mais polêmicos ocorridos no Brasil envolveram ex-presidentes
    da República, cabendo destacar o caso Bernardes, a carta-testamento de Getúlio
    Vargas, os documentos de supostas contas no exterior de Jânio Quadros e, mais
    recentemente, a Operação Uruguai, envolvendo o ex-presidente Fernando Collor de
    Mello.
    Na história são encontradas muitas outras referências a respeito de fraudes e sua repressão, sendo que a grafoscopia surgiu com a fraude, e esta com a escrita.
    Na grafoscopia moderna as técnicas de exame do grafismo oferecem
    maior ênfase às movimentações processadas pelo punho escritor.
    Em 1951, o professor José Del Picchia Filho estabeleceu um método, ao qual denominou,
    inicialmente, Método Grafocinético, e que, após ser submetido à Internacional
    Association for Identification teve alterada a denominação para MÉTODO GRAFOSCÓPICO UNIVERSAL .
    Mais tarde, observa-se forte tendência para explorar os grafismos pela ótica da Gênese gráfica, à qual até o método grafocinético do Dr. Del Picchia está subordinado.
    Atualmente, além da análise de assinaturas por meio de perícias usando
    as técnicas tradicionais, que consideram dados genéticos e genéricos também,
    estão sendo desenvolvidos métodos de exame de assinaturas através da Biometria,
    técnica que consiste em submeter as peças sob exame (peça questionada e peça
    genuína) a escaneamento, segmentação, – que consiste na divisão da assinatura
    em partições com a intenção de avaliar o traçado localmente – extração de
    características – que consiste na extração dos elementos gráficos computacionais
    que irão caracterizar a assinatura – e posterior alimentação de algoritmo
    computacional que produzirá o modelo que servirá de referência para a comparação.
    Há ainda outros métodos atuais, Um que consiste em uma ferramenta
    semi-automática de auxílio ao perito grafoscópico, possibilitando a análise de uma
    assinatura manuscrita através de um software, “Gênese”, de apoio à decisão no qual
    é baseada a análise grafotécnica pericial pelo conceito da comparação estatística
    entre um conjunto de espécimes genuínos e o espécime questionado e outro
    chamado SIRA – Sistema de Reconhecimento de Assinaturas, desenvolvido na
    Faculdade de Administração, Ciências Contábeis e Informática no qual
    a perícia grafotécnica é efetuada através de Reconhecimento de Imagens Utilizando
    Redes Neurais.
    INTERPRETACÕES GRÁFICAS
    Não existe uma norma para essa etapa da perícia, nem mesmo exigências mínimas que permitam apontar a relevância, ou não, desta ou daquela convergência ou divergência.
    No entanto, o bom senso estabelece que qualquer determinação de autoria deve excluir qualquer outra pessoa dessa possibilidade, garantindo o acerto da interpretação.
    Um dos grandes segredos do sucesso da perícia está na conduta do expert, que deve guiar-se pelo racionalismo e respeito aos postulados científicos e de conhecimentos culturais.
    Evidentemente que a experiência e o talento do perito também são fundamentais.
    Eventualmente é impossível determinar o autor da anonimografia, através da Grafoscopia, o que não significa qualquer fracasso pericial. A escassez de lançamentos, a precariedade dos padrões e outros obstáculos, podem impedir conclusão de autoria.
    No entanto, a Grafoscopia e principalmente a grafologia sempre fornecerá informações preciosas para que outros meios de investigação desvendem o mistério.
    O anonimato pode ser casual ou intencional, porém, o mistério é constante em ambos os casos, motivo do interesse desses documentos gráficos.
    Os anonimatos decorrentes da casualidade, em geral, apresentam escritas naturais e espontâneas, tais como as cartas e os bilhetes familiares de parentes indeterminados, os documentos históricos sem identificação e outros do gênero.
    A solução do mistério do anonimato casual, através da perícia grafoscópica, é uma certeza, desde que haja padrões de confronto do verdadeiro autor, dentre o rol encaminhado aos exames.
    Entretanto, nos casos dos anonimatos intencionais ou anonimografias, as escritas são artificiais, em virtude da deliberada intenção do escritor em ocultar a própria identidade, através da dissimulação ou simulação gráfica. O mistério fica ainda maior, nesses casos, pois a obtenção dos padrões gráficos dos suspeitos costuma ser precedida de intensa investigação.
    A casuística pericial revela que a ocultação da identidade pela dissimulação se processa através do disfarce gráfico (autofalsificação), enquanto na simulação tal prática ocorre escrita de terceiros (falsificação).
    Assim sendo, a anonimografia de documentos manuscritos envolve, quase exclusivamente, escritas artificiais e paradigmas heteromorfos, caracterizando um estudo grafoscópico da maior complexidade. Mas o anonimógrafo age com dois pensamentos simultâneos, a excitação da fraude e a ocultação de sua idéia, circunstância que invariavelmente o levará a se trair aqui ou ali, motivo do êxito pencial na maioria dos casos.
    Registre-se, ainda, que as anonimografias também podem ser produzidas através de escritas indiretas e montagens. Nestes casos, também dificílimos, o perito deve recorrer aos tradicionais exames de identidades mecânicas, que costumam oferecer bons resultados, tendo em vista a naturalidade das escritas e a maior facilidade nas coletas de paradigmas.
    Os requintados procedimentos fraudulentos de elaboração das cartas anônimas, bem como os efeitos desastrosos produzidos nas condições psicológicas das vítimas são particularidades exclusivas da anonimografia, motivo da sua magnificência grafoscópica. Essas cartas despertam não só a curiosidade geral como provocam o mais arguto instinto investigativo e científico dos peritos, pois elas são as “cartas venenosas” e os seus autores os “assassinos do caráter”, consoante bem consignou o memorável mestre Albert 8. Osbom.
    Ordinariamente os casos envolvem diversas peças questionadas, pois os anonimógrafos não se satisfazem com a remessa de uma única missiva, reiterando.tal procedimento inúmeras vezes. Essa postura favorece o trabalho pericial, em parte, pela fartura do material gráfico apócrifo, e ainda pelo descuido da ocultação no decorrer do processo fraudulento, resultando em maiores vestígios de suas particularidades gráficas mais intrínsecas.
    As anonimografias costumam exigir exames de especificações, condições físicas e identidades, numa abrangência grafoscópica completa, que vai de encontro e confirma o próprio conceito da Grafoscopia, ou seja, determinar a origem do documento gráfico.
    Nesse sentido, o perito deve buscar as respostas para os tradicionais questionamentos: Quando? Onde? Como? Por quê e, obviamente, Quem?.
    Em geral, os exames não se limitam aos levantamentos e confrontos dos elementos técnicos da peça anônima e eventuais paradigmas disponíveis, mas também na investigação de outras particularidades que possibilitem esboçar o perfil dos eventuais suspeitos.
    A complexidade do estudo grafoscópico nas anonimografias recomenda a utilização de um roteiro para os exames, sugerindo-se o seguinte:
    1)- Especificações – apurar as características e propriedades dos suportes, escritas, registros gráficos, instrumentos gráficos, tintas, acessórios e demais materiais anexados à peça anônima (perfumes, folhas secas, tecidos, etc).
    2)- Condições Físicas – determinar a existência, ou não, de rasuras1 manchas, lavagens químicas, recortes, dobras, furos, sulcagens, vestígios de carbono, impressões digitais, etc.
    3)-Identidades – As escritas diretas requerem a seleção dos elementos gerais e genéticos, separando-se aqueles dos traçados naturais aos dos artificiais. As escritas indiretas devem ser classificadas consoante o tipo, para a determinação dos processos de impressão e deve-se proceder ao levantamento dos respectivos elementos das fontes, tais como o estilo e proporção das letras, os alinhamentos, os calibres e os detalhes (arranhaduras, mutilações, fragmentos de tipos, etc).
    4) – Motivo – determinar a intenção do agente” (diversão, agressão, extorsão, denúncia, impulso doentio, outros)
    5) – Linguagem – indicar as características da linguagem (assunto, referências, sexo, retórica, composição, ortografia, outros)
    O resultado desses primeiros exames, muitas vezes, fornece dados importantíssimos para se aproximar da origem da anonimografia, permitindo traçar um perfil dos suspeitos ( grafologia ) e a indicação das formas de obtenção de bons paradigmas.
    No entanto, esses dados técnicos preliminares raramente permitem solucionar o caso, sendo necessário o prosseguimento dos estudos através dos exames dos Ordinariamente os padrões de confronto disponíveis são eivados de escassez e inadequabilidade do material gráfico.
    Esse problema, sem dúvida é o grande complicador da perícia e a principal causa dos equívocos, e resultados inconclusivos.
    A impossibilidade de se coletar padrões dos suspeitos’ consoante as normas técnicas é o grande “calcanhar de Aquiles” das anonimografias.
    Outra dificuldade é grande quantidade de paradigmas sem a comprovação do requisito da legitimidade, fato que deve merecer especial atenção da perícia, sob o risco de se cometer erros irreparáveis. O caso Bernardes é o um bom exemplo desse perigo.
    O próprio Edmond Locard concluiu equivocadamente pela autoria das cartas anônimas atribuídas ao ex-presidente, em decorrência de aceitar como legítimos os padrões do anonimógrafo Oldemar Lacerda, posteriormente desmascarado pelos laudos dos peritos cariocas Serpa Pinto e Simões Corrêa.
    Assim sendo, recomenda-se examinar os padrões com o mesmo procedimento das peças de exame, inclusive quanto aos informes gerais. Essa precaução, muitas vezes, revela dados surpreendentes, não só no sentido de indicar outros suspeitos como eventualmente solucionar o caso.
    Outro cuidado muito útil é a análise dos grafismos das supostas vitimas, pois, em muitos casos, os anonimógrafos remetem cartas a si próprios, com o fito de aparentarem insuspeição.
    Os cotejos iniciais são entre as próprias peças de exame, para bem caracterizar os idiografismos do anonimógrafo. O mesmo procedimento deve ser adotado com os padrões para a plena identificação dos suspeitos.
    Finalmente, os cotejos lado a lado, questionadas X padrões, para a determinação das efetivas convergências e divergências grafoscópicas entre ambos. Tais confrontos devem ser balisados exclusivamente na metodologia cientifica, abstraindo-se o perito de todos os informes gerais apurados no decorrer dos exames anteriores.
    O foco pericial deve se dirigir principalmente aos traçados dos trechos mais dinâmicos, visando às semelhanças e dessemelhanças de natureza genética, deixando-se os elementos genéricos para a fase derradeira.
    Pulicado por Cristiano Santoro Magalhães perito grafotécnico,grafologico e documental

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